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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A tropa da elite

A última das unanimidades descartáveis é o culto da ultra-violência como resposta bestializada de uma classe média acuada.

Como é próprio de um subproduto da indústria cultural ao compartilhar orgulhosamente da manipulada mediocridade da massa, que indiferentemente será substituído por outro modismo qualquer, a onda é aderir à microfísica do poder. Só que pelo lado do cacete. A letra do Tihuana: "...osso duro de roer / pega um, pega geral..." retrata a estratégia consciente da intimidação generalizada pela violência marginal ou institucional, à escolha.

O curioso é que há mais ou menos uma década, a garotada aproximadamente da mesma idade, cantava com os malucões do Planet Hemp: "Legalize já / Uma erva natural não pode te prejudicar...". Professavam além do respeito ao livre arbítrio e ao debate democrático acerca do que seria ou não legítimo nas leis constituídas. Hoje grassa, inversamente, a virulência reacionária que iguala traficantes e usuários sob o tacão da brutalidade repressiva.

Das utopias coloridas e divertidas woodstocks embaladas pelas alegres cannabis dos descolados e bicho-grilos em geral, passou-se ao pesadelo dos escoteiros das fardas pretas, dos justiceiros de caras fechadas, com seus métodos fascistóides de tortura e extermínio sumário. Como se o combate à "corrupção" criasse uma aura de infalibilidade ariana que colocasse um batalhão da gestapo acima do bem e do mal. Na verdade não passa de uma das múltiplas faces que assume o poder corrupto. Corrupto porque engendrado pela corrupção. Porque não-republicano e sim arbitrário. Porque seleciona o povo pobre para uma "assepsia étnica".

Não se pode deixar de notar a hipocrisia dos guardiões da "ordem da moral e dos bons costumes" ao massacrar D2 e Cia. por conta da "apologia às drogas", não demonstrarem o mesmo empenho na desmistificação da "apologia à violência" que bombardeia a juventude vitimizada. Oh, mas isso seria plenamente justificável devido à imprescindível "guerra ao tráfico". Tal e qual o "grande irmão" de G. Orwell, mantém o noticiário que combina catástrofes e ufanismo, para manter a massa domesticada sob controle.

Não adianta nem riquinho querer fazer proselitismo ou manifestação "pela paz", para desencargo de consciência (e ainda, quem sabe, extrair uns dividendos eleitoreiros já que ninguém é de ferro), porque o problema é bem mais embaixo. Comecemos com uma perguntinha básica: qual o sistema econômico que gera as condições ideais para a disseminação marginal: favelas, presídios, cartéis internacionais, etc.?

E não se trata de "romantizar" ou abstrair o conflito em meio à confusão entre a denúncia e a tomada como modelo exemplar, que marca a distância entre o que o filme aparentemente quis dizer e o que a mídia quis entender (ou pelo menos uma espécie de "jornalismo" que prefere a superficialidade míope e desqualificada, em torno da irônica "pirataria"). Da aparente intenção da caricatura, o personagem se metarmofosea no "herói nacional" da truculência psicótica. A solução neurótico-repressiva que humaniza o algoz e desumaniza o lascado-com-tênis-importado (o que o transforma automaticamente num suspeito), só porque é pobre, preto e favelado (e que, portanto, não pode sequer aspirar consumir, quem dirá existir).

Quando é que se pretende parar de procurar a "culpa", pois ela sempre reside no "outro", e vai se partir efetivamente para uma discussão responsável das soluções viáveis? Medidas capazes de descerem dos altares e ganharem as ruas, não dependem somente de ações de governos, mas da capacidade da nação tomar para si o desafio de pautar a solidariedade, a justiça e a igualdade como parâmetros que devem progressivamente revolucionar a sua própria ética e sociabilidade.

Entre tiroteios sonoros, com a palavra Marcelo Yuka e o Rappa, com a autoridade de quem convive com o próprio martírio: "A minha alma está armada / E apontada para a cara / Do sossego / Pois paz sem voz / Não é paz, é medo... Às vezes falo com a vida / Às vezes é ela quem diz / Qual a paz que eu não quero conservar / Para tentar ser feliz..."

3 comentários:

Valéria Dallegrave disse...

Rafael, foi muito interessante a sua idéia de fazer um paralelo entre diferentes gerações e suas reações ao uso da tortura... E as letras das músicas citadas espelham as idéias de sua época, como todas as manifestações artísticas... são, assim, ótimas fontes de testemunho. Só não concordo que sejam apenas "riquinhos" nas passeatas pela paz, rs. Eu mesma posso vir a participar de alguma... Por fim, a visão da violência praticada pela polícia como apenas outra forma de corrupção... coloca as coisas no seu devido lugar com relação ao filme. O texto ficou muito bom, deixa transparecer a indignação...

Anônimo disse...

Seu texto expressa cruamente as veleidades cinematográficas disfarçadas de vanguarda. É bom que haja versões críticas sobre o mesmo, sob o risco de nos tornarmos reféns de pseudo-artes e suas mal fadadas "boas ações" sociais. Amei!
Bjo!!!!

Unknown disse...

excelente teu texto, ele faz uma análise crítica profunda, procurando mexer com algo que vem se perdendo gradativamente em nossa sociedade imediatista: o voltar-se pra si e para o outro, nos remetendo ao exercício da alteridade, valor essencial de nossa condição humana; nos remete ao caminho tortuoso, mas compensador de compreender a sociedade a partir do todo, nos convida a nos despirmos da visão maniqueísta do bem e do mau... e as músicas mostram perfeitamente que é preciso endurecermos, fortalecendo nossa lucidez, mas "sem perder a ternura, jamais..."

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